Mesa foi marcada por discursos contundentes sobre a força da literatura em tempos de obscurantismo político e cultural

 

por Gabriel Pinheiro

 

O 3.º Festival Literário Internacional de Paracatu – Fliparacatu – recebeu, no Teatro Afonso Arinos, uma mesa com algumas vozes fundamentais da literatura e do pensamento brasileiro contemporâneo. A imortal da Academia Brasileira de Letras, Míriam Leitão, se uniu aos escritores Eugênio Bucci e Jeferson Tenório para a mesa Palavra como Ética, que teve como anfitriã Lívia Sant’Anna Vaz.

 

Lívia Sant’Anna Vaz abriu a conversa destacando a importância do tema deste encontro: “Palavra como ética” e perguntou: “Como articular palavra e ética – vocês que tem a palavra como matéria-prima da profissão – em tempos de desinformação a favor do fascimo?”

 

“Todo mundo aqui falando de literatura numa noite de sábado. Isso é muito lindo”, celebrou Míriam. Sobre o tema da mesa: “O jornalismo é a palavra em ação. Você tem que escolher como você vai interpretar. A escolha da palavra como ética acontece o tempo todo”, refletiu a jornalista e imortal da ABL. Na sequência, ela leu um trecho de seu livro “A democracia na armadilha” e concluiu: “Era preciso avisar que o perigo estava sendo posto”.

 

Eugênio Bucci abriu sua fala celebrando o fundador do Fliparacatu, Afonso Borges, destacando a importância de um evento como esse. “A obra de Afonso Borges é uma das coisas mais importantes que eu conheci no curso da minha vida. Fazer isso, que muda o destino de muita gente, é de uma beleza indescritível.”

 

Sobre a temática da conversa, Eugênio comentou: “A gente tem um pouco a impressão de que a vida com ética é mais difícil, o caminho com ética é mais longo. Mas é justamente o contrário. (…) Ética se refere a uma escolha pessoal, nós fazemos uma escolha. Isso é o que torna a vida com muito mais sentido, mais direta e mais fecunda”. Citando o saudoso Luis Fernando Verissimo: “Basta olhar as coisas pra gente fazer a escolha de que algo tem que ser repartido, que a desigualdade não pode seguir como está. Isso é uma escolha”.

 

O curador Jeferson Tenório abriu sua fala celebrando Verissimo, relembrando seu primeiro encontro com o escritor: “Luis Fernando Verissimo, como dizia Guimarães Rosa, não morreu, ele está encantado. A obra dele continua conosco, quiçá, até a eternidade”. Tenório, em seguida, refletiu sobre a ética a partir da obra de Aimé Césaire e do conceito de negritude e da filosofia, trazendo para a conversa o processo de escrita de seu primeiro romance, “Estela sem Deus”, a história de luta e coragem de uma adolescente negra que sonha em ser filósofa e encontrar seu lugar no mundo.

 

Pensando no tema desta edição do Fliparacatu, “Literatura, encruzilhada e a desumanização”, Lívia Sant’Anna perguntou para a mesa: “Quais são os caminhos de humanização que a literatura consegue construir num contexto de tanta desumanização em relação às mulheres, às pessoas negras, de tanta violência?”.

 

Míriam também saudou a vida e a obra de Luis Fernando Verissimo e o papel do humor na crítica social e política. “É com humor que ele foi humanizando a nossa vida. Ele nos deixa esse legado de não perder a capacidade de rir mesmo nos momentos difíceis.”

 

Em seguida, Eugênio Bucci refletiu: “Eu quero falar um pouco sobre a desumanização. Nós pensamos sempre na desumanização como uma estratégia para desqualificar o ser humano. De fato, é pertinente. (…) Nós vemos isso na escravidão, na Faixa de Gaza, no muro do México. Mas há uma outra perspectiva de desumanização, de um efeito ético devastador, que eu procurei expor quando eu falei de ‘razão desumana’”.

 

O escritor fez uma análise profunda do ambiente digital e o discurso fascista: “O discurso fascista de rejeição da humanidade do outro, isso é o que torna o ambiente das plataformas sociais um caldo de cultura sob encomenda do discurso obscurantista. Muita gente pergunta: ‘Como eles se saem tão bem nas plataformas?’ A resposta é muito simples: as plataformas foram feitas para isso. (…) A desinformação resiste à informação, a ignorância artificial resiste ao conhecimento”.

 

Jeferson Tenório deu continuidade ao pensamento de Bucci, discutindo a nossa relação com as redes sociais: “Temos que pensar no valor que nós temos dados para as redes”, comentando sobre o apagamento de sua conta numa rede social e o que existe por trás desse banimento. Citando a poeta Sophia de Mello Breyner Andresen: “Em tempos de fascismo, em tempos de totalitarismo, o dever do poeta e do escritor é oferecer o que há de melhor em termos literários”.

 

Ligando o pensamento de Sophia ao seu processo criativo, complementou: “Nesse sentido, é isso o que eu tento fazer quando eu crio meus personagens. Antes de pensar em termos de fascismo, de obscurantismo, eu penso em como fazer a melhor história que eu posso”. Resgatando a fala de Jamil Chade na mesa anterior do Fliparacatu, ele concluiu: “Vamos jogar poesia neles, é isso o que vai derrubar o totalitarismo”.

 

Ao fim do encontro, a anfitriã Lívia Sant’Anna Vaz comentou sobre a importância de fazermos escolhas éticas e respeitosas das palavras, olhando para as falas dos três convidados da noite: “Eugênio falou em ‘escolha’, Miriam em ‘democracia’, Jeferson em ‘eternizar’”.

 

Numa rodada de leitura de trechos pelos três convidados, Míriam Leitão concluiu a conversa com a crônica “A sorte do encontro”, resgatando o poder de encantamento pelo livro, pela leitura, pelas palavras e pela literatura. “É sobre a paixão pela literatura, aquele momento mágico que você entra em um livro e ele te acolhe. (…) Isso é ler e amar ler”. O público encerrou o encontro aos gritos de “Sem anistia”, reagindo à potência das falas e do pensamento compartilhado pelos convidados desta noite.

 

3.º Fliparacatu

 

Com uma programação diversa, para todos os públicos, no 3.º Fliparacatu haverá debates literários, lançamentos de livros, contação de histórias para as crianças, prêmio de redação, apresentações musicais, entre outros. O Festival homenageia os escritores Valter Hugo Mãe e Ana Maria Gonçalves e tem a curadoria de Bianca Santana, Jeferson Tenório e Sérgio Abranches.

 

O 3.º Fliparacatu é patrocinado pela Kinross, via Lei Rouanet do Ministério da Cultura, e tem apoio da Caixa, da Prefeitura de Paracatu, da Academia de Letras do Noroeste de Minas e parceria de mídia do Amado Mundo.

 

Serviço:

3.º Festival Literário Internacional de Paracatu – Fliparacatu

De 27 a 31 de agosto, quarta-feira a domingo

Local: programação presencial no Centro Histórico de Paracatu e programação digital no YouTube, Instagram e Facebook – @‌fliparacatu

Entrada gratuita

 

Informações para a imprensa:

imprensa@fliparacatu.com.br

Jozane Faleiro  – 31 992046367