Por Fernanda Martins

Carla Madeira, Marcelino Freire e Zeca Camargo trouxe a “Leitura interior” para o centro

 

A mesa “Leitura Interior”, realizada durante a 3ª edição do Festival Literário Internacional de Paracatu – Fliparacatu –, reuniu três autores de peso: Carla Madeira, Marcelino Freire e Zeca Camargo, sob a mediação de Calila das Mercês. O encontro sensível foi marcado pela escuta sensível, pelas lembranças pessoais e por reflexões profundas sobre literatura, interioridade e partilha. Carlila abriu a conversa lembrando a noção de escrevivência endossada por Conceição Evaristo, que une o eu ao coletivo. E, assim, Calila perguntou aos convidados como cada um elaborava suas vozes interiores e compartilhava com o público essa escrita que nasce do íntimo.

Carla Madeira iniciou refletindo sobre o papel da escrita como resposta ao corpo afetado: “Todo trabalho de escrita começa de um corpo desorganizado, de uma afetação. Essa voz interior é sempre a busca de coerência para este corpo”. Para a autora dos best-sellers “Tudo é rio” e “Véspera”, a literatura nasce do espanto diante da vida, das circunstâncias que revelam potências humanas de amor e brutalidade. A autora contou como uma cena violenta a paralisou por 14 anos no processo de escrita de “Tudo é rio” e como voltou a escrever após assistir a uma poeta em um festival, que a fez perceber a força do poético: “Foi o poema de outra mulher que me devolveu à escrita. A literatura tem esse poder de reorganizar aquilo que a vida espalha”.

Zeca Camargo, com sua experiência como jornalista e escritor ligado à música, relatou que, seguindo esse processo criativo, o seu novo projeto busca recriar a atmosfera da geração dos anos 1980, marcada pela criatividade e também pela tragédia da Aids. “Meus ídolos morreram, poetas que me inspiraram morreram, vozes que eu ouvia morreram. Estou tentando entrar no cérebro dessas pessoas brilhantes e imaginar o que é ter tanto a dizer e não ter tempo para isso”, afirmou. 

No processo de Marcelino Freire, as vivências e sonoridades são costura da literatura, que inspira e respira. Tanto que ele repartiu com o público do teatro Afonso Arinos histórias da infância e a sintonia com Sertânia, sua terra natal, e do Recife, que traz memórias sonoras e afetivas que modulam sua escrita: “A gente é meio que uma casa abandonada que precisa abrir as janelas para entrar vento. Eu escrevo para ressuscitar minha mãe. A saudade que eu mais tenho é da voz dela”.

Marcelino explicou como escreve a partir de frases ouvidas, gemidos, rezas e ruídos do cotidiano: “O livro não nasce do letramento, nasce dos ruídos”. 

A mesa terminou como começou: celebrando a palavra. Entre memórias íntimas e reflexões sobre o presente, Carla, Marcelino e Zeca mostraram que a literatura é tanto uma casa interior quanto uma praça aberta. É o lugar onde se organizam afetos, dores e esperanças e onde a leitura interior de cada autor se transforma em experiência coletiva.

 

E em um gesto de generosidade literária, Carla leu pela primeira vez em público um trecho de seu próximo romance, ainda inédito:

“1986. O policial Ferola estava com fome quando o Dom cruzou seu caminho. Não havia nenhum pão dentro do saco pardo sobre a mesa, embora o saco permanecesse estufado como se houvesse. Segundo o policial Ferola, nenhum pão de ontem se encontrava na mesa de manhã cedo. Eu me lembro perfeitamente bem disso. (…) O fato de que, naquele dia, o policial Ferola faria uma grande merda com a vida de Dom, um menino de 17 anos, denunciado pela própria mãe […]”

O silêncio no auditório mostrou a potência da narrativa: dura, visceral e profundamente atenta às tensões sociais do Brasil contemporâneo. E Marcelino, mais uma vez, trouxe a sonoridade para a conversa ao destacar a relevância do sucesso de Carla Madeira para todo o campo literário:

“Quero dizer publicamente que é a primeira vez que a gente faz uma mesa juntos e que você vende mais de um milhão, porque você é mais um milhão desse livro, porque você vendendo faz muito bem à literatura brasileira e à leitura no Brasil. Todos precisamos vender, mas é importante que eu diga que o sucesso de uma escritora na literatura é o sucesso de toda a literatura contemporânea.”

O Festival

Com uma programação diversa, para todos os públicos, no 3.º Fliparacatu haverá debates literários, lançamentos de livros, contação de histórias para as crianças, prêmio de redação, apresentações musicais, entre outros. O Festival homenageia os escritores Valter Hugo Mãe e Ana Maria Gonçalves e tem a curadoria de Bianca Santana, Jeferson Tenório e Sérgio Abranches. O 3.º Fliparacatu é patrocinado pela Kinross, via Lei Rouanet do Ministério da Cultura, e tem apoio da Caixa, da Prefeitura de Paracatu, da Academia de Letras do Noroeste de Minas e parceria de mídia do Amado Mundo.

 

Serviço:

3.º Festival Literário Internacional de Paracatu – Fliparacatu

De 27 a 31 de agosto, quarta-feira a domingo

Local: programação presencial no Centro Histórico de Paracatu e programação digital no YouTube, Instagram e Facebook – @‌fliparacatu

Entrada gratuita

 

Informações para a imprensa:

imprensa@fliparacatu.com.br

Jozane Faleiro  – 31 992046367