Por Beto Mateus 

Em poucas vezes, no Brasil, uma única pessoa se associou tanto a um conceito e à defesa de um ideal, como foi o caso do mineiro Rodrigo Melo Franco de Andrade. Não seria exagero também constatar a sua genialidade e constante obstinação para, além de ser responsável pela criação de uma repartição, no caso, dedicada à proteção do patrimônio histórico, tomar para si, com inteiro compromisso público, a responsabilidade de iniciar uma política e consolidar a sua efetiva atuação.

Nascido em Belo Horizonte, em 17 de agosto de 1898, Rodrigo é o filho mais velho do casal Rodrigo Bretas de Andrade e Dália Melo Franco de Andrade. Do lado paterno, descende à tradicional família de Ouro Preto, em que figura seu bisavô, Rodrigo José Ferreira Bretas, autor da primeira nota biográfica sobre Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, em 1858. Pelo lado materno, Melo Franco, suas origens se enraízam na velha Paracatu do Príncipe, região noroeste do estado.

Rodrigo fez o estudo das primeiras letras no Ginásio Mineiro, em Belo Horizonte. Aos 12 anos, foi matriculado no Lycée Janson de Sailly, em Paris-França, onde continuou o curso secundário. Morando com seu tio, o jornalista, escritor e jurista Afonso Arinos (1868-1916), conviveu com inúmeras personalidades que se destacavam na vida intelectual brasileira, como o escritor e diplomata Graça Aranha, o jornalista e político Tobias Monteiro e o escritor Alceu Amoroso Lima. Retornando ao Brasil, Rodrigo iniciou o curso de Direito na Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro. Devido à transferência de moradia, fez uma parte do curso em Belo Horizonte e em São Paulo, o que permitiu seu contato com vários intelectuais.

Em 1919, já formado, trabalhou como oficial de gabinete do diretor da Inspetoria de Obras Contra as Secas, no Rio de Janeiro. Em 1921, no jornal O Dia, começou atividade jornalística em coluna que discutia os fatos, os livros e as personalidades que marcavam a literatura de então. Em 1926, exerceu as funções de redator-chefe da Revista do Brasil, inserindo-a nas ideias defendidas pelo movimento modernista de 1922. Trabalhou também n’O Jornal, de Assis Chateaubriand, em que foi o diretor-presidente entre os anos de 1928 e 1930. A atuação jornalística se estendeu a vários jornais e várias revistas, como Estado de Minas, A Manhã, O Estado de S. Paulo e O Cruzeiro.

Na década de 1930, foi convidado para a chefia de gabinete do ministro da Educação e Saúde, Francisco Campos. Na ocasião, fez a indicação do arquiteto Lúcio Costa para a direção da Escola Nacional de Belas Artes.

Em 1936, veio a decisão que marcaria definitivamente a preservação do patrimônio histórico do País. Indicado por Mário de Andrade e Manuel Bandeira, Rodrigo foi convidado pelo ministro Gustavo Capanema para organizar e dirigir o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Sphan (atual Iphan – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Era necessário instituir as diretrizes para garantir a proteção dos bens culturais e a definição de parâmetros legais e técnicos específicos para a área. Além do pioneirismo da criação de uma instituição de caráter prioritariamente cultural, Dr. Rodrigo, como era chamado pelos companheiros do Sphan, teve a incumbência de garantir a sobrevivência junto a políticos e mudanças de governos.

Fruto do abnegado trabalho do Dr. Rodrigo, a política de preservação do patrimônio histórico e artístico nacional ganhou força e começou a ser desenvolvido com o amparo legal do decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, que, dentre outras medidas, apresentou ao País a figura do Tombamento. Nos Livros do Tombo, instituídos pela legislação, deveriam ser inscritos os “bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interêsse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”. Difundido, o conceito passou a ser símbolo da preservação do patrimônio cultural brasileiro.

Dr. Rodrigo comandou a instituição desde sua fundação, em 1937, até o ano de 1967, quando se afastou após 30 anos de dedicada atuação. Rubem Braga testemunhou a abnegação do Dr. Rodrigo quando das comemorações dos 20 anos da instituição, em 1956. Diz ele: “O que os funcionários ouviram foi um grave e delicado ‘pito’ e um apelo para que trabalhassem mais. Nenhum se queixou depois; todos ficaram comovidos porque o funcionário que Rodrigo mais censurou foi ele mesmo, o chefe. O chefe que viveu estes 20 anos exclusivamente para o serviço, a ele se entregou com um total carinho, uma completa humildade e uma extraordinária devoção. Depois de historiar, com áspera modéstia, o que o Serviço fez nestes 20 anos, Rodrigo fez a lista das coisas que se devia ter feito e não se fez e acusou disso em primeiro lugar a ele, chefe”.

Além da preservação do patrimônio, Dr. Rodrigo se preocupava com a divulgação do tema por meio da apresentação de estudos, ensaios e monografias. Nesse sentido, foi criada a linha editorial do Sphan, com destaque para a Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, cujo nº 1 foi lançado ainda em 1937. A publicação de artigos e ensaios sobre o patrimônio cultural do País é incumbida aos principais especialistas e pesquisadores, não se restringindo aos quadros de servidores do Sphan. Na 2ª Exposição Internacional de Publicações Periódicas, realizada em Cuba em 1946, a Revista foi destacada dentre 1.711 publicações de todo o mundo quando, por unanimidade, o júri a concedeu diploma de honra. Dr. Rodrigo, na apresentação do nº 1 destaca os propósitos da Revista: “A publicação desta revista não é uma iniciativa de propaganda do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, cujas atividades, por serem ainda muito modestas e limitadas, não justificariam tão cedo a impressão dispendiosa de um volume exclusivamente para registrá-las. O objetivo visado aqui consiste antes de tudo em divulgar o conhecimento dos valores de arte e de história que o Brasil possui e contribuir empenhadamente para o seu estudo”. A Revista está em circulação até os dias de hoje.

Presente a seminários em todo o mundo sobre a temática de patrimônio, museus e história, e participando pessoalmente de visitas técnicas a vários estados brasileiros, a figura de Rodrigo Melo Franco foi associada à de guardião do patrimônio cultural do País. Após se aposentar, em 1967, Dr. Rodrigo passou a fazer parte do Conselho Consultivo da instituição que criara, até a sua morte, em 11 de maio de 1969. Em 1998, ano do seu centenário, todo o Brasil passou a celebrar o Dia do Patrimônio Histórico na data de seu nascimento.

 

“O acervo dos bens materiais produzidos por nossos antepassados, denominado patrimônio histórico e artístico nacional, é documento de identidade da nação brasileira”  (Rodrigo Melo Franco de Andrade)

 

Para saber mais:

Rodrigo e seus tempos. Coletânea de Textos sobre artes e letras. Rio de Janeiro: Ministério da Cultura, Fundação Nacional Pró-Memória, 1986. (Com Notícia Biográfica de Teresinha Marinho).

Rodrigo e o Sphan. Coletânea de textos sobre patrimônio cultural. Rio de Janeiro: Ministério da Cultura, Fundação Nacional Pró-Memória, 1987.

Texto originalmente publicado no informativo Bem Informado nº 67, de agosto/2013, publicação do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG).

 

Adalberto Andrade Mateus (Beto Mateus) é Jornalista pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e Arquivista pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Desde 2007, técnico de Gestão, Proteção e Restauro do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, Iepha/MG (atual gerente de Documentação e Informação), membro da Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia e associado efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais. Articula ações de preservação do patrimônio cultural no Mosteiro de Nossa Senhora da Conceição de Macaúbas, em Santa Luzia/MG.

 

Sobre o Fliparacatu

O 3.º Fliparacatu é patrocinado pela Kinross, via Lei Rouanet do Ministério da Cultura, tem o apoio da Prefeitura de Paracatu e Academia de Letras do Noroeste de Minas e parceria de mídia do Amado Mundo.

Serviço:

3.º Fliparacatu – Festival Literário Internacional de Paracatu
Data: 27 a 31 de agosto de 2025, quarta a domingo
Local: Centro Histórico de Paracatu (MG) – Entrada gratuita
Mais informações @fliparacatu – www.fliparacatu.com.br