
A literatura enfrenta a era das IAs, reivindica o corpo, a dúvida e a coragem de sentir
Por Fernanda Martins
Mediada por Bernardo, a mesa “Poéticas do Narrar” reuniu Sérgio Rodrigues, Giovana Madalosso e Luiz Maurício Azevedo na 3ª edição do Festival Literário Internacional de Paracatu – Fliparacatu. O encontro começou com uma homenagem a Luis Fernando Verissimo proposta pelo anfitrião da mesa, Bernardo Mello Franco, e as influências de Verissimo a cada um dos autores da mesa. Giovana lembrou a infância em Santa Felicidade, em Curitiba, onde os livros eram raros, mas Verissimo atravessava as casas. “Ninguém na minha comunidade tinha livros. Machado, Clarice, Jorge Amado quase ninguém conhecia, mas todo mundo conhecia o ‘Analista de Bagé’.”
Para a autora, “Comédia da vida privada” foi uma escola de humor. Sérgio, emocionado, ressaltou a dimensão do cronista: “Acho que acabamos de perder aquele que era o maior escritor brasileiro vivo.” E defendeu o lugar do humor e da crônica como alta literatura, apesar do preconceito acadêmico. Luiz Maurício, gaúcho, evocou a tradição familiar de leitura citando Érico Veríssimo e provocou: “a universidade, muitas vezes, demora a reconhecer o que os leitores já consagraram”.
Ao introduzir o tema central da mesa, Bernardo convidou Giovana a falar do novo romance “Batida só”. A autora descreveu o ponto de partida: a observação do coração como matéria literária e metáfora das emoções, após acompanhar a filha em um tratamento de saúde. A narradora, Maria João, tenta “anestesiar” a vida para não sofrer. Giovana transformou a inquietação em reflexão sobre proteção excessiva e desumanização contemporânea: a tentativa de viver sem sentir. “Quando a gente tira as emoções, a gente tira a vida da vida.” A autora também incorporou a busca por fé: uma peregrinação que não é sobre uma religião específica, mas sobre o desejo de acreditar. A figura de um menino doente, sereno diante da finitude, tensiona o ceticismo da protagonista e desloca o romance do terreno da dor para uma celebração da vida e dos vínculos.
Sérgio, ao falar das Poéticas do narrar, apresentou seu ensaio “Escrever é humano (como dar vida à sua escrita em tempos de robôs)”, moldado pelo impacto recente das inteligências artificiais generativas. O autor reconhece a revolução tecnológica e os efeitos no jornalismo e em gêneros formulares, mas sustenta que literatura exige corpo, memória, acaso e finitude. “A imitação não basta para fazer arte.”
Para Sérgio, a escrita é um eterno recomeço: quanto mais se escreve, mais se descobre a própria insegurança e é justamente aí que reside a força humana que a máquina não replica. “Se você terceiriza para ela a sua escrita desde o começo, ela deixa de ser ferramenta e vira senhora.” Na sequência, Bernardo pediu a Luiz Maurício uma leitura crítica do nosso tempo dentro das narrativas. Ele narrou o processo de escrever um livro de crítica literária em meio à pandemia e ao debate público sobre racismo. “Eu comecei a fazer críticas literárias muito sérias, na minha concepção, tentando provar dois pontos: primeiro, de que o racismo estava certo e que havia negros que não sabiam escrever. Mas que o racismo estava errado, que haviam negros que sabiam escrever muito melhor do que brancos. Aí os racistas ficavam bravos comigo, evidentemente”, lembrou-se. Na época, ele começou a investigar autores que deveriam ser lidos e fez um texto no jornal, em 2015, a pedido do editor para apontar o melhor autor da atualidade e que ficaria nessa posição para os próximos 30 anos: “Apontei um escritor chamado Jefferson Tenório, que eu não conhecia. Ele tinha um livro publicado (eu entendo que essas palmas são para ele [risos]… podem ficar tranquilos. Ele está escondido, mas ele está aqui, na segunda fila”, lembra-se.
Luiz Maurício se recorda que na época estava fora do País fazendo doutorado-sanduíche, até que um colega me ligou para falar de uma repercussão na rede social muito negativa que estava ligada ao meu nome. “As pessoas estavam muito bravas comigo porque eu não devia ter apontado. um escritor negro como o futuro da literatura. Eu aprendi que a crítica literária é esse imenso exercício de humildade”, relata.
Bernardo encerrou com uma polêmica clássica entre os escritores: “Capitu traiu?” Giovana brincou: “Eu espero que tenha traído”. Sérgio lembrou que Machado quis manter a dúvida aberta, um espelho para o leitor; “se traiu, foi bem feito”. Já Luiz Maurício arrematou, irônico: “É claro que traiu… longe de mim defender um sujeito branco, escravocrata e ridículo”.
O Festival
Com uma programação diversa, para todos os públicos, no 3.º Fliparacatu haverá debates literários, lançamentos de livros, contação de histórias para as crianças, prêmio de redação, apresentações musicais, entre outros. O Festival homenageia os escritores Valter Hugo Mãe e Ana Maria Gonçalves e tem a curadoria de Bianca Santana, Jeferson Tenório e Sérgio Abranches.
O 3.º Fliparacatu é patrocinado pela Kinross, via Lei Rouanet do Ministério da Cultura, e tem apoio da Caixa, da Prefeitura de Paracatu, da Academia de Letras do Noroeste de Minas e parceria de mídia do Amado Mundo.
Serviço:
3.º Festival Literário Internacional de Paracatu – Fliparacatu
De 27 a 31 de agosto, quarta-feira a domingo
Local: programação presencial no Centro Histórico de Paracatu e programação digital no YouTube, Instagram e Facebook – @fliparacatu
Entrada gratuita
Informações para a imprensa:
imprensa@fliparacatu.com.br
Jozane Faleiro – 31 992046367