Por Fernanda Martins

Fliparacatu: Madu Costa e Bianca Santana encantam crianças em roda de histórias

 

Vamos agitar Paracatu!”, anunciou Madu em pé e com pandeiro em mãos, logo que chegou ao palco da 3ª edição do Festival Literário Internacional de Paracatu Fliparacatu 2025. A autora, que exalava animação, convocou os pequenos a bater palmas em ritmo de batuque. O convite foi para uma viagem imaginária até o continente africano, destino de muitas de suas histórias e canções. E assim começou a cantoria: “Fui pra Moçambique no maior pique… na sombra de baobá fiz um batuque…”, entoou, enquanto a plateia respondia animada.

Os meninos e meninas de escolas da comunidade local aprenderam a cantiga rapidamente e os olhinhos brilharam ao som do pandeiro que preencheu todo o espaço do teatro Afonso Arinos. Com 28 livros publicados no Brasil e em Moçambique, Madu Costa é reconhecida como uma das principais autoras da literatura infantil afro-brasileira. Ela levou para a roda títulos ilustrados por Rubem Filho: Meninas Negras, obra que valoriza a identidade e a curiosidade da infância; e Brincadeira de Roda, no qual celebra a tradição da arte-luta ao som do berimbau. Entre uma leitura e outra, intercalava canções autorais, aproximando literatura, oralidade e música em uma apresentação que envolveu o público do início ao fim.

A escritora também compartilhou novidades. Apresentou, em lançamento antecipado, o livro Trança, ilustrado por Ana Paula Sirino, em que uma avó tece histórias nos fios de cabelo da neta. “A vó Nica trançava história na cabeça da menina…”, leu Madu, mostrando como a metáfora do trançar conecta passado e presente, memória e imaginação. Em outro momento, falou sobre Tudo é Mar, obra feita em parceria com Josias Marinho, que narra a trajetória de Mário, menino que descobre nas águas e rios a ligação com seus antepassados.

Essa costura de história teve ainda a presença de Bianca Santana, que se juntou à roda e se divertiu com os pequenos na Fliparacatu. A escritora e jornalista entrou no palco compartilhando uma cena de sua própria casa: “Tem uma conversa que meus filhos não gostam de ter lá em casa”, contou, arrancando risos da plateia. A conversa em questão virou tema de seu primeiro livro infantil, Quem limpa?, escrito em parceria com Ana Cardoso.

Ao revelar o título, as crianças reagiram com a mesma resistência dos filhos da autora: um coro de “Ah, não!” surgiu no teatro, seguido de gargalhadas. Bianca aproveitou o humor do momento para falar sobre cooperação e responsabilidade coletiva. Lembrou que a arrumação da casa não precisa ser vista apenas como obrigação, mas como gesto de cuidado que envolve todos. Perguntou quem ali ajudava nas tarefas domésticas e ouviu respostas espontâneas: Kauan contou que gostou da história e prometeu colaborar mais com a mãe; Maria Júlia disse que “cuida até das galinhas”.

A conversa se aprofundou quando Bianca trouxe o tema do livro Diálogos feministas e antirracistas (e nada fáceis) com as crianças. “Quem sabe dizer o que é diálogo?”, perguntou a autora. Isabela, de 10 anos, respondeu: “É a conversa de uma pessoa com a outra”. Natali completou: “É conversar coisas importantes com outras pessoas”. Agatha preferiu falar de seus afetos: “Eu gosto de conversar sobre o cuidado com os animais”. Essas falas mostraram que, para além do riso, havia ali uma reflexão séria sobre escuta e convivência.

Bianca lembrou que seu livro busca abordar diálogos feministas e antirracistas dentro de casa, conversas nem sempre fáceis, mas necessárias. Em um dos trechos, a criança afirma: “O papai não acredita em nada”. Ao comentar a passagem, a escritora reforçou que cada um pode acreditar no que quiser e que o diálogo existe justamente para aprendermos a conviver com as diferenças.

Instigada por Madu, que perguntou sobre a relação entre maternidade e escrita, Bianca falou da experiência de ser mãe de “filhos da barriga e filhos da vida”. Essa vivência, para ela, atravessa sua literatura e alimenta o desejo de escrever para crianças com sinceridade e acolhimento.

Ela compartilhou ainda lembranças da própria infância: “Eu fui uma criança que gostou muito… muito de livros. Eles eram minha companhia e me faziam viajar sem sair de São Paulo, onde eu nasci”. Nesse momento, Bianca aproveitou para deixar um conselho às crianças, depois de perguntar quem ali se sentia sozinho e observar que muitas crianças levantaram as mãos. “Espero que os livros sejam companhia para vocês também. Escreva tudo o que você esteja sentindo em um papel. Uma palavra, um desenho, tudo cabe. Isso dá alívio”.

O público ouviu atento e ensinaram, mais uma vez, que as histórias ali partilhadas iam além da diversão. As duas já estavam prontas para finalizar, mas o público não deixou elas descerem do palco sem uma última “canja”. “Mais música! Mais música!”, cantou a criançada em uma sintonia quase ensaiada. É claro que elas atenderam ao pedido. Madu pegou o pandeiro, começou o batuque e Bianca arriscou passos de samba, encerrando a roda em clima de festa.