por Gabriel Pinheiro

Igiaba Scego abriu sua fala destacando a honra em dividir uma mesa com Conceição Evaristo. “Voltarei para a Europa falando disso.Na sequência, a escritora discorreu sobre a crise da esquerda: “A esquerda não lidou bem com o próprio racismo, esse é um problema”. A autora disse que a esquerda precisa construir sua agenda, sua fala, sua linguagem, sem precisar responder à agenda da direita.

Jamil Chade compartilhou com o público que o Movimento Panafricano está realizando conferências para estabelecer uma agenda com o objetivo de um projeto de desenvolvimento para os povos da África. São cinco regiões no continente recebendo essas conferências. “O Movimento escolheu uma sexta região para receber esse evento tão importante: Salvador, na Bahia”. A partir disso, Chade perguntou para Conceição o que ela gostaria de ver nessa aproximação entre Brasil e África.

“Se você vai contar na Europa que estava comigo, saiba que a alegria de estar com você é minha. É sempre bom encontrar irmãos, que estão dispersos, mas que a gente compartilha uma história e um destino”, abriu Conceição Evaristo em sua fala, direcionada para Igiaba Scego. 

“Quem é baiano sabe muito bem o que significa Salvador ser a maior concentração da população negra fora da África, em um estado extremamente racista. Ser majoritariamente negro não significa que seja um paraíso para nós negros”, respondeu Evaristo. Para ela, essa conferência pode ser positiva no tratamento dos brasileiros com relação aos africanos. “A nossa Passárgada é África. É ali que nós sonhamos durante muito tempo com a possibilidade de readquirir a nossa dignidade”, complementou a autora. “Reparação é pensar numa política de estado justa, que colabore para que os países africanos não continuem dentro desse estado de neo-colonialismo. As relações comerciais com os territórios africanos ainda são relações de profunda exploração.”

“A Itália é o país da contradição”, comentou Igiaba Scego. Segundo ela, a Itália possui mais de 190 grupos étnicos diferentes. Para ela, é necessária uma reforma da Lei da Imigração no país, pensando na condição dos imigrantes no país europeu. Jamil Chade complementou dizendo ter acompanhado o trabalho de imigrantes na Itália em um contexto de exploração e escravidão.

Jamil citou uma frase do geógrafo Milton Santos, “cidadania inconclusa”. Evaristo reforçou o impacto dessa frase nela. “Aqui no Brasil parece que está tudo resolvido… mas quando Milton Santos fala de uma cidadania inconclusa, a experiência de descendentes africanos é essa experiência inconclusa. Essa pátria mãe gentil escolhe seus filhos, ela tem preferência por alguns filhos. A população negra e indígena não são as escolhidas pela pátria mãe gentil.” “As populações afro-brasileiras estão na mira da bala. Tanto a bala real quanto a bala no contexto da política. As classes populares vivem numa situação de fronteira. Uma situação de exílio dentro do próprio país”, concluiu de maneira contundente a escritora mineira.

Conceição Evaristo e Igiaba Schego compartilharam o amor que sentem pela escritora norte-americana Toni Morrison. Igiaba comentou que encontrou a autora em duas oportunidades, devido a um professor que introduziu a literatura de origem africana na Itália. Já Conceição comentou sobre a vinda de Toni ao Brasil e o pouco interesse da imprensa à época. Igiaba Scego comentou que seria uma coisa linda para o mundo um encontro entre Conceição Evaristo e Bernardine Evaristo — ambas as autoras compartilham não só o sobrenome, mas as temáticas, sobretudo no que diz respeito às mulheres negras. Conceição comentou ter conhecido Barnardine num encontro de escritores negros em Porto Rico.

Igiaba Scego destacou a importância que a história africana fosse melhor estudada em seu país de origem, a Itália. “Tem essa música ‘Exu nas escolas’, eu penso também em ‘África na escola’, eu acho muito importante.” Conceição e Igiaba concluíram suas falas dizendo de experiências de identificação com mulheres negras em outros países, como Angola e São Tomé e Príncipe. 

 “Esse tempo de ressurreição no outro. Vem uma juventude aí que está também ressurgindo em nós, ou nos fazendo ressurgir. Acredito que nós estamos no caminho de romper com esse asfixiamento. Eu também tenho essa ideia de que não é a Europa, não são os brancos que vão nos salvar. Eles podem ser aliados para não nos matar. Mas a ressurreição é a gente que vai fazer”, encerrou de forma emocionante Conceição Evaristo.

O 2.º Festival Literário Internacional de Paracatu  – Fliparacatu –  acontece entre os dias 28 de agosto e 1.º de setembro, com o tema “Amor, Literatura e Diversidade”. A entrada é gratuita para todas as atividades. O Fliparacatu é patrocinado pela Kinross, via Lei Rouanet do Ministério da Cultura, e tem o apoio da Prefeitura de Paracatu, Academia Paracatuense de Letras e Fundação Casa de Cultura.