por Gabriel Pinheiro
Fechando a programação deste terceiro dia do Festival Literário Internacional de Paracatu – Fliparacatu –, o Auditório Afonso Arinos recebeu a escritora ítalo-somali Igiaba Scego, o escritor Jamil Chade e a escritora Geni Núñez. Jamil Chade abriu a conversa abordando temas que atravessam as obras das duas convidadas: “A colonização destruiu modos de expressar o afeto e o amor? Como seria a descolonização do afeto? Há alguma forma de costurarmos o tecido de uma sociedade tecendo outros nós?”
Igiaba Scego respondeu à pergunta lendo um poema emocionante do escritor palestino Mahmoud Darwish, “Pense nos outros”, relembrando do sofrimento do povo palestino. “Ao voltar para casa, para seu lar, pense nos outros/ (…) Quando você se expressar por meio de metáforas, pense nos outros (aqueles que perderam o direito de falar).” “Pensar nos outros eu acho que é amor”, concluiu Scego. “Na minha comunidade, quem engravida, engravida de vida e de palavra. Vida e palavra reverberam em mim de uma maneira muito poderosa”, declarou Geni Núñez.
Jamil Chade rememorou uma frase de Igiaba Scego: “Uma pessoa que faz parte da diáspora mora num país com a carne e em outro com o coração e a mente”, destacando como essa ideia está presente no novo livro da autora, lançado durante o Festival, “Cassandra em Mogadício”. Chade, então, refletiu sobre a seletividade do afeto e da comoção, pensando em crises humanitárias em diferentes países, por exemplo, na diferença da recepção da crise humanitária da Ucrânia e da crise humanitária da Somália – um país europeu e um país africano. A escritora destacou as muitas histórias que compõem o continente africano: “Contar a história dos países africanos é muito importante. Diferenciar essas histórias”.
Geni Núñez comentou que vê a literatura indígena como um “artesanato narrativo”. Refletindo sobre o processo do colonialismo, Núñez discutiu uma ideia de humanidade que é atravessada pelo racismo religioso, pensando, por exemplo, na conversão obrigatória de populações indígenas ao cristianismo durante o processo de colonização do Brasil.
Igiaba comentou sobre o apartheid contemporâneo no que diz respeito aos passaportes de cada país. Enquanto uns são aceitos na entrada em países europeus ou nos Estados Unidos, outros não são. “É importante debatermos sobre o lado obscuro da democracia”, ao dizer dessa separação entre povos e países. A autora declarou que é preciso lutar com nossos corpos e com nossas histórias. “É por isso que escrevo. Eu gostaria de um mundo onde as pessoas se falam. Mas vivemos num mundo de guerra, de racismo sistêmico.”
Jamil Chade comentou sobre as línguas indígenas e sobre o processo de extinção de muitas dessas línguas. “A língua é uma forma de estar no mundo. Uma língua que desaparece é uma forma de estar no mundo que desaparece.” “As línguas também fazem parte de um ecossistema”, comentou Geni Núñez. Ela destacou a ausência de pronomes possessivos na língua guarani – enquanto na língua portuguesa é difícil se comunicar sem utilizar tais pronomes.
Ao fim da conversa, Jamil Chade falou com Igiaba Scego sobre uma palavra muito utilizada pela autora: encruzilhada. “Qual é a encruzilhada hoje?”, ele perguntou. “Eu acho que a encruzilhada é considerar a gente, gente. Pessoas como pessoas. (…) Todos somos uma encruzilhada.”
O 2.º Festival Literário Internacional de Paracatu – Fliparacatu – acontece entre os dias 28 de agosto e 1.º de setembro, com o tema “Amor, Literatura e Diversidade”. A entrada é gratuita para todas as atividades. O Fliparacatu é patrocinado pela Kinross, via Lei Rouanet do Ministério da Cultura, e tem o apoio da Prefeitura de Paracatu, Academia Paracatuense de Letras e Fundação Casa de Cultura.