por Gabriel Pinheiro

Na noite de quinta-feira de Festival Literário Internacional de Paracatu – Fliparacatu –, o Auditório Afonso Arinos recebeu as escritoras Juliana Monteiro e Ruth Manus e o escritor Jamil Chade. As duas convidadas têm livros publicados em autoria com o companheiro de mesa, Jamil: “Brasil, com amor”, parceria com Juliana, e “10 histórias para tentar entender um mundo caótico”, parceria com Ruth. Segundo Jamil, os dois livros foram escritos em momentos diferentes e o que divide esses dois projetos é a vacina contra a Covid-19. O autor, assim, refletiu como o mundo não se transformou, para melhor, a partir da pandemia – desejo compartilhado por muitos a partir de uma experiência tão dramática. “A nossa percepção era de que estaríamos conscientes da nossa vulnerabilidade após a pandemia, mas não foi o que aconteceu.”

 Assim, Jamil direcionou uma pergunta para as autoras convidadas: “Era esse o futuro que a gente imaginava quando escrevemos os nossos livros?” Ruth destacou como a memória da humanidade é curta. “A ingenuidade tem muito a ver com a memória curta. Ser ingênuo, em alguma medida, talvez seja a única forma da gente ser feliz. Se a gente tivesse plena consciência sobre tudo o que aconteceu e o que ainda pode acontecer, talvez não conseguiríamos viver.” Na sequência, Juliana respondeu que, definitivamente, esse não era o futuro que ela imaginou em nenhum de seus passados, tanto enquanto criança quanto no momento pandêmico. “Nem nos meus piores pesadelos eu imaginava que a gente fosse enfrentar um retrocesso do tamanho do que enfrentamos agora. Estamos lutando para respeitarem os nossos direitos mais básicos.” 

Pensando no trabalho das duas participantes a respeito da igualdade de gênero, Jamil Chade as questionou sobre o papel da literatura nesta luta: “Como o poder da palavra pode causar uma insurreição nesse cenário?” Juliana Monteiro apontou a “tranquilidade” que percebe no comportamento do homem branco médio – mesmo em amigos próximos: “É muito tranquilo quando não é você quem está morrendo”. Juliana destacou a importância das mulheres que fazem literatura, comentando uma análise que fez da própria biblioteca particular quando, em certo momento, percebeu ser dominada por trabalhos de autores homens. “Foram os homens que nos disseram, primeiramente, o que era ser mulher. Quais eram as nossas questões. Como disse Virginia Woolf, é necessário que encontremos maneiras de nos representar, como representar nossos corpos e nossas lutas”. Ao ler mais mulheres, Juliana descobriu novas possibilidades de se narrar e de se inventar. “A arte e a literatura são muito importantes para que nós mulheres possamos nos reconhecer nos textos e nas obras de outras mulheres, de maneira que contradiga à forma como sempre fomos contadas.”

Ruth Manus comentou sobre o fato das mulheres serem criadas a viver com incômodos. “A gente vai aprendendo a aceitar o incômodo em muitos momentos da vida. O discurso de que a gente é forte é um discurso de morte, é um discurso de dor.” A escritora, então, discorreu sobre as diferenças entre homens e mulheres, em quem foi criado para o conforto e quem foi criada para o incômodo. “Vocês (homens) não são criados para o incômodo, a gente é. E quando nós falamos que estamos incomodadas, os homens respondem: ‘Você está me incomodando com esse discurso’.”

A partir das reflexões de Juliana e Ruth, Jamil perguntou: “O que a gente faz com essa nova geração, a geração dos nossos filhos?” Para Ruth, é necessário, primeiramente, aprender com essa nova geração. “A gente foi ensinado a trabalhar para ter estabilidade, com o medo da escassez. Para essas novas gerações, isso é lido como egoísmo. Essa geração que vem agora viu que a gente não deu muito certo. Eles viram os pais chegando muito tarde do trabalho, da briga pelo dinheiro.” Para a autora, o foco dessa geração está muito mais no coletivo: “O combate contra o racismo, o machismo, a LGBTfobia. Eles estão olhando muito mais para o coletivo do que para o individual”.

Juliana concordou com Ruth no fato da geração atual ter um glossário que as anteriores não tinham. “Essa geração tem muito mais instrumental, tem mais literatura e a internet.” Mas a autora destacou como, olhando para os próprios filhos, percebe que preconceitos muito anacrônicos continuam a afetar esses jovens: “É muito desafiador para mim criar um filho de quase 13 anos hoje. Não sou tão otimista, não acho que está dado assim”.

Na conclusão da conversa, Jamil Chade falou sobre a recusa da apatia: “Não tenho a opção de desistir, não posso me acomodar no cinismo. Acho que sim, a gente tem como convocar a luta, a gente consegue fazer transformações. O mundo tem sim motivos pra ser orgulhar por conquistas que realizamos”. Na sequência, o autor citou os direitos da mulher e o aumento do acesso de meninas às escolas em todo o mundo, o menor índice histórico da presença da Aids no globo, a ciência que venceu a pandemia, o desenvolvimento de alternativas aos combustíveis fósseis, por exemplo. “A reinvenção do futuro é a condição para que superemos toda essa encruzilhada que atravessamos. Gosto que a palavra mais poderosa que existe está no tema deste Fliparacatu: o amor.”

O 2.º Festival Literário Internacional de Paracatu – Fliparacatu –  acontece entre os dias 28 de agosto e 1.º de setembro, com o tema “Amor, Literatura e Diversidade”. A entrada é gratuita para todas as atividades. O Fliparacatu é patrocinado pela Kinross, via Lei Rouanet do Ministério da Cultura, e tem o apoio da Prefeitura de Paracatu, Academia Paracatuense de Letras e Fundação Casa de Cultura.