por Marcia Cruz
Paulo Lins, Lívia Sant’Anna Vaz e Rafael Nolli escolheram a palavra “amor” para nortear a conversa que tiveram no quarto dia evento no Centro Histórico de Paracatu na sexta-feira (31/8). Amor soma-se à literatura e à diversidade para formar o tema do 2.º Festival Literário Internacional de Paracatu – Fliparacatu.
Apesar de que, em muitos momentos ao longo da história do Brasil, os escritores negros serem convocados a escrever sobre temas duros sobre a realiade do povo negro, o amor perpassa toda a história e o legado do povo negro. “Fiquei pensando no amor maior: amor liberdade, que não é palpável. A liberdade prometida que não chegou”, disse Lívia. E completou: “Amor não se vê, não consegue tocar, não é documentado, mas a gente sente, é memória secular”.
O best-seller “Cidade de Deus” foi uma manifestação de amor de Paulo Lins para o povo negro. O escritor contou como o romance nasceu. Paulo pretendia demonstrar as razões que levam o jovem negro à criminalidade. “O amor é tudo. Quando ia fazer Cidade de Deus, não pretendia escrever um romance. Entrevistei garotos ligados à criminalidade, fui a vários presídios. Era um trabalho de antropologia, orientado pela Alba Zaluar”, recorda-se.
Paulo desejava que o levantamento chegasse às autoridades do executivo e legislativo para que algo pudesse ser feito para mudar a realidade da juventude. No meio do caminho, porém, Paulo escreveu um poema. E tudo mudou. Desistiu do ensaio de antropologia e escreveu o romance, sucesso de venda, que se tornou filme, foi traduzido para diversos idiomas e ganhou vários prêmios. O filme homônimo tornou-se o segundo mais visto em todo mundo. Paulo ainda falou de outras formas de expressão do amor. “Ismael Silva fez a primeira escola de samba por amor.”
Serendipidade foi a palavra que Rafael escolheu para explicar o amor. O escritor chegou até a palavra “serendipidade” quando estava escrevendo o livro “Achados e perdidos”. Na primeira parte, abordou coisas que são encontradas ao longo da vida, depois escreveu sobre as coisas que são perdidas. Ficou na dúvida sobre o teor e a linguagem que era para jovens, foi quando decidiu escrever a terceira parte: as coisas que são encontradas por acaso, a serendipidade, ou também acontecimentos em que o amor se manifesta.
Como exemplo de amor, Lívia, que é uma mulher de axé, compartilhou com a plateia o cuidado e carinho de sua mãe-pequena. Contou a mensagem que recebeu pedindo para que ligasse. Lívia ficou preocupada, temendo que tivesse ocorrido algo e quando ligou recebeu a resposta: “minha filha, não posso te ligar para saber de você?”
Lívia ainda lembrou várias formas de resistência do povo negro, que são sinônimos de amor: a roda de capoeira, a roda de samba, a roda nas celebrações. “A roda só gira se todo mundo estiver ali.” Também fez referência ao xirê, quando se faz uma roda para evocar os orixás. “O xirê gira em sentido anti-horário, contra colonial.” Ao fim do bate-papo, Lívia expressou o amor cantando “Assum preto”, de Luiz Gonzaga, uma canção que canta para a filha de quatro anos.
Sobre o Fliparacatu
O 2.º Festival Literário Internacional de Paracatu – Fliparacatu – acontece entre os dias 28 de agosto e 1.º de setembro, com o tema “Amor, Literatura e Diversidade”. A entrada é gratuita para todas as atividades. O Fliparacatu é patrocinado pela Kinross, via Lei Rouanet do Ministério da Cultura, e tem o apoio da Prefeitura de Paracatu, Academia Paracatuense de Letras e Fundação Casa de Cultura.