por Marcia Cruz
Trudruá Dorrico, Roberto Parmeggiani e Tom Farias conversaram sobre alteridade, inclusão, diversidade e amor no segundo dia do 2.º Festival Literário Internacional de Paracatu, na quinta-feira (29/8). O bate-papo girou em torno de reflexões de como perceber e a acolher o outro em sua humanidade.
Trudruá citou o livro “Moqueca de maridos: mitos eróticos indígenas”, de Betty Mindlin, que reúne narrativas de povos indígenas que abordam arquétipos sobre paixão, relacionamento e desejos. O conto narra uma fábula de mulheres indígenas que oferecem o marido para fazer moqueca. A partir da análise dessa fábula, Trudruá afirmou que as culturas indígenas são muito demonizadas por interpretações equivocadas de não indígenas sobre as mitologias indígenas, que reconhecem a “humanidade dos bichos”. “Nesse mundo de deuses, deusas e encantados indígenas, a gente tem o tempo espiritual que orienta e guia as vidas indígenas hoje”, diz.
Trudruá defendeu o amor como ideias nas culturas indígenas, muitas vezes, incompreendidas a partir do paradigma do pensamento oriental. E fez uma provocação: “como há uma compreensão das relações amorosas de Zeus, parte da mitologia grega, enquanto as relações amorosas das mitologias indígenas são criticadas?”
“Os arquétipos precisam ser lidos e entendidos de uma perspectiva indígena. A gente não tem um campo psicanalítico para debater a partir desse viés, a partir desse paradigma indígena. Tem interpretações equivocadas sobre o amor. Desde 1500, os povos indígenas vêm lutando pela terra, vem lutando pela sobrevivência, mas também vem amando”, afirmou.
Trudruá destacou que o corpo indígena fala de um lugar ambíguo: do pertencimento a um povo indígena e ao estado na nação em que ele habita. “A gente está sempre namorando uma onça, negociando”, afirmou. Há uma aceitação dos rituais, dos cânticos, dos grafismos, das pinturas, da língua e do conhecimento; no entanto, há uma faceta que é recusada, os direitos dos povos indígenas. “Muita gente quer saber dessa parte poética, mas se recusa a ir a uma manifestação. Não sabe que a Lei 14.701 está em curso e que os direitos indígenas estão sendo negociados neste momento, que não há diálogo com os representantes políticos que estão defendendo os direitos indígenas.”
Ela reivindica uma formação étnico racial indígena, que o Brasil não tem. “O País precisa saber ler os corpos indígenas. Existem indígenas de corpos pretos, existem indígenas de corpos brancos e essa diversidade de corpos não é lida pelo Estado brasileiro e pelas instituições.”
Roberto Parmeggiani contou que tem diversidade e inclusão como referências para realizar um trabalho com pessoas com deficiência. “Hoje nós temos um problema com a inclusão, há um movimento internacional contra a inclusão. É o que vemos no dia a dia e também nos âmbitos e contextos nos quais a inclusão deveria ser um objetivo, na escola, os contextos de diferença.”
Roberto lembrou que isso ocorre devido ao fato de a inclusão exigir que as pessoas renunciem aos privilégios. “Não tem inclusão se a gente não deixa algo de si para construir algo de novo. A inclusão não é a ideia de que em um grupo somos todos iguais, chegue alguém diferente e ache um espaço, isso não é inclusão. É integração, é acolhimento, a inclusão acontece quando em um grupo chega alguém que traz uma diferença e essa diferença modifica radicalmente o contexto.” O escritor prefere usar o termo pessoa com desabilidade, a desabilidade é relacional, é algo que acontece, não é algo que você tem.
Sobre o Fliparacatu
O 2.º Festival Literário Internacional de Paracatu – Fliparacatu – acontece entre os dias 28 de agosto e 1.º de setembro, com o tema “Amor, Literatura e Diversidade”. A entrada é gratuita para todas as atividades. O Fliparacatu é patrocinado pela Kinross, via Lei Rouanet do Ministério da Cultura, e tem o apoio da Prefeitura de Paracatu, Academia Paracatuense de Letras e Fundação Casa de Cultura.