Uma mesa que reuniu Conceição Evaristo, brasileira reconhecida por suas obras que abordam temas como racismo, gênero e classe social, e Mia Couto, um dos mais renomados escritores africanos, encerrou a programação deste sábado (26) do primeiro Festival Literário Internacional de Paracatu, o Fliparacatu. Os dois são os homenageados da edição de estreia do evento. À espera deles, a expectativa era grande no Centro Pastoral São Benedito, cedido ao evento pela Paróquia Santo Antônio, onde aconteceu o bate-papo, que teve como tema “vozes da alma”.
“Para mim, as histórias que eu conto nascem da escuto. Eu gosto de ficar ‘assuntando’ as coisas, às vezes parecendo distraída, mas, como diz o ditado, ‘fingindo de bobo para enganar o coveito’”, iniciou Conceição Evaristo, brincando que o escritor é um fofoqueiro. “A gente inventando, amplia, diminui o que ouvimos, de forma que, no fim, o escritor é um fofoqueiro. Mas eu jamais falaria que o Mia é um fofoqueiro”, disse a escritora, com bom-humor, arrancando risadas da plateia que lotava o auditório, enquanto seguiu a conversa citando uma série de anedotas que marcaram sua memória, entre elas uma história de um sentinela que viu gradualmente baixando a guarda diante da presença de uma mulher e uma criança negras.
Mia Couto iniciou sua fala lembrando que aquele era um reencontro. “Nos encontramos em 2003, na Festa da Mulher Moçambicana”, recordou, dizendo ter sofrido com uma síndrome do impostor por não entender o porquê de ter sido chamado ao evento. “E essa crise só piora”, brincou, emendando a história de quando uma mulher, no Rio de Janeiro, o confundiu com o Frei Beto. O escritor também relatou uma história que o persegue e que não consegue “pôr no papel”. O caso envolve o encontro com um menino, com cerca de 14 anos, que ele encontrou ao chegar em sua casa e que, inicialmente, lhe causou perturbação e até medo. Inicialmente, o menino estava com a mão atrás das costas. Quando mostrou o que trazia, veio a surpresa: era um livro de autoria do próprio Mia Couto. “Eu vendo amendoim na porta da escola. Vi uma menina com esse livro e vi sua foto nele. Acho que ela roubou, e vim te devolver”, concluiu, refletindo sobre os mistérios do ofício da escrita.
Premiação
“Considero este o momento mais importante do Festival. A gente vem de uma experiência de 11 anos de Araxá. E a gente trouxe essa bagagem para Paracatu. Por isso trouxemos para cá, há 4 meses, a exposição ‘Portinari Negro’: para que os estudantes já pudessem circular, ter contato e buscar essa inspiração”, discursou Afonso Borges, um dos organizadores e curadores do Fliparacatu, durante a atração que marcou o início da programação deste penúltimo dia de evento, a entrega do Prêmio de Redação, que reconheceu os melhores desenhos e textos produzidos por estudantes da cidade a partir do tema “Arte, Literatura e Ancestralidade”. Alunos de 26 escolas, tanto municipais quanto estaduais e particulares, dos ensinos Infantil, Fundamental e Médio, participaram do concurso.
A cerimônia de premiação aconteceu às 11h, no Centro Pastoral São Benedito. Os autores homenageados desta edição do Fliparacatu de estreia do Festival, Conceição Evaristo e Mia Couto, além da homenageada da programação infantojuvenil, Miriam Leitão, participaram da cerimônia de entrega dos prêmios. Além deles, os curadores Tom Farias e Sérgio Abranches, a fundadora da Academia de Letras do Noroeste de Minas, Coraci da Silva Neiva Batista, de 94 anos, e a atual presidente da entidade, Daniela de Faria Prado, além de Ana Cunha, representante da Kinross, empresa patrocinadora do Fliparacatu, e de autoridades, como o prefeito da cidade, Igor Pereira dos Santos, também participaram da premiação.
Outras atividades
Além da entrega do Prêmio de Redação, o sábado na Fliparacatu foi repleto de outras atividades culturais e literárias. O Festival contou com mesas de debate sobre diversos temas relacionados à literatura, oficinas, lançamentos de livros, shows musicais e uma batalha de slam.
As mesas de debate reuniram escritores nacionais, internacionais, locais e regionais para conversar sobre assuntos como ancestralidade indígena, viagens literárias, fé e literatura, direitos humanos, poesia contemporânea, amor filosófico, realidade rural brasileira e contos ancestrais. Entre os convidados estavam Zeca Camargo, Pedro Pacífico, Socorro Acioli, Paloma Jorge Amado, Lívia Sant’Anna Vaz, Jeferson Tenório, Luíza Romão, Alexandre Marino, Renato Noguera, Joana Silva, Itamar Vieira Junior, Paulliny Tort, Eliana Alves Cruz e Calila das Mercês.
A programação regional contou com a oficina “Fika Ryca Favelinha”, ministrada por Kdu dos Anjos, fundador do centro cultural belo-horizontino “Lá da Favelinha”, gerido pelos moradores do Aglomerado da Serra. Kdu falou sobre empreendedorismo cultural. Às 18h, ocorreram as batalhas do Slam MG 2023, que convidou o Slam Galeria de Paracatu. O slam é uma modalidade de poesia performática que envolve competição, ritmo e engajamento social.
Ainda na programação regional, houve as mesas “Mulheres negras na literatura: representação e resistência”, de Ana Carolina Campos de Carvalho e Benedita Gouveia, e “O papel da escrita no mundo contemporâneo: a narrativa histórica como propulsora de transformação e mudança na vida dos indivíduos”, de Luna Laboré e Murilo Caldas; além da posse de Silvano Avelar na Academia de Letras do Noroeste de Minas.
O Fliparacatu é patrocinado pela Kinross, via Lei Rouanet do Ministério da Cultura, e tem o apoio da Prefeitura Municipal de Paracatu, da Paróquia de Santo Antônio e do Projeto Portinari.
*O repórter viajou a convite da Kinross, patrocinadora do Fliparacatu por meio da Lei de Incentivo à Cultura do Governo Federal