A edição inaugural do Festival Literário Internacional de Paracatu (Fliparacatu) se encerrou no domingo (27/8) com público estimado de 24 mil pessoas. Os convidados debateram e instigaram o pensamento crítico e o conhecimento acerca de temas norteados pela ancestralidade, arte e literatura e o seus correlatos, como direitos humanos, liberdade, democracia, respeito e combate ao racismo. Nos cinco dias de evento, cerca de 70 escritores participaram de mesas de debates, sendo 30% desses convidados negros, incluindo a autora homenageada Conceição Evaristo, e as premiadas Livia Sant’Anna Vaz e Eliana Alves Cruz. O Festival aconteceu no Centro Histórico da cidade e reuniu representantes da literatura brasileira e lusófona.
O autor homenageado no evento foi o moçambicano Mia Couto. O público que retirou ingressos antecipados pela plataforma digital para assistir à programação soma 8 mil pessoas. O Festival Literário Internacional de Paracatu é patrocinado pela Kinross, via Lei Rouanet do Ministério da Cultura, e com o apoio da Prefeitura Municipal de Paracatu, da Paróquia de Santo Antônio e do Projeto Portinari. Com a curadoria de Tom Farias, Sérgio Abranches e Afonso Borges.
O idealizador e curador presidente do Fliparacatu, Afonso Borges, adianta que fazer um balanço do Festival, agora, é muito difícil. Isso porque o impacto foi muito grande. “A cidade tem 600 imóveis tombados pelo Iphan – Instituto Patrimônio Histórico e Artístico Nacional –, é um presépio do século XIX, em que o Centro Histórico reúne todas as condições para realizar eventos culturais de grande porte. Conseguimos trazer a Paracatu os mais interessantes escritores e escritoras negros, brancos, indígenas, para falar sobre ancestralidade, sobre Candido Portinari, e ainda mais do que isso: falar o que o Brasil deve enfrentar daqui pra frente, que é a questão do racismo, que deve ser enfrentado e vencido, sentimento que foi expressado nas diversas palestras que foram colocadas aqui”.
O curador ainda completa que, “mais do que isso, penso que o enfrentamento ao racismo tem a ver com a desigualdade social, com a violência e com a democracia. E estes são temas que estão nas obras de autores e autoras que passaram por aqui, como Itamar Vieira Junior, Jeferson Tenório, Lívia Sant’Anna Vaz, Conceição Evaristo, Calila das Mercês, Eliana Alves Cruz, um grupo de escritores que traz a reflexão que o Brasil precisa trazer neste momento. É um novo Brasil, mas também são novas reflexões colocadas sobre pontos antigos, sobre pontos até ancestrais. Espero muito – e a população também – pelo próximo Fliparacatu”, diz Afonso Borges.
Para o curador Tom Farias, o Fliparacatu surge como uma forma de conhecimento, de conexão e de entretenimento. “Penso que uma semente foi plantada e com muita probabilidade de frutificar e dar uma grande árvore. A primeira edição de qualquer coisa é sempre experimental. Nós da curadoria ficamos com uma expectativa muito grande de como a população receberia uma programação desse porte, afinal, tivemos no Fliparacatu escritores não só nacionais, mas estrangeiros também. Temos a Conceição Evaristo, que é nossa grande autora homenageada, juntamente com Mia Couto. Isso provocou um frisson em todos nós, mas vejo que conseguimos entregar alguma coisa, e que a população também soube receber. É uma cidade acolhedora, com um coração imenso que nos abre para novas oportunidades, e o Fliparacatu é uma oportunidade de entretenimento, de conhecimento, de conexão”, destaca Tom Farias, curador do Fliparacatu.
O jornalista, escritor e curador do Fliparacatu Sérgio Abranches destaca a receptividade da população para receber o evento. “Acho que nós fomos muito felizes na escolha de Paracatu para realizar um festival literário porque encontramos um lugar muito receptivo. Escolhemos um tema pro Festival que contemplou todos os debates, pois todas as mesas tinham, de alguma forma, a ver com o tema da ancestralidade e o seus correlatos, como direitos humanos, liberdade, literatura. Desse ponto de vista, acho que a gente foi muito bem-sucedido. Percebo que alguns autores sentiram uma acolhida tão boa que eles também ficaram mais soltos, mais livres, falaram de forma mais espontânea e por vezes enfática no que eles tinham pra dizer. O público reagiu, perguntou, e isso é excelente. A gente espera que os próximos festivais também sejam assim”, finaliza Sérgio Abranches.
Números refletem o êxito da edição
Cerca de 8 mil pessoas retiraram seus ingressos antecipados pela plataforma digital e participaram das cerca de 96 atrações, dentre elas literárias, musicais e performáticas do Fliparacatu. Foram promovidos debates, palestras, oficinas, espetáculo de dança, batalhas de slam, sessões de autógrafos e atividades voltadas para todas as idades – a maioria no formato figital – abrangendo, assim, os ambientes físicos e digitais. Ressalta-se que os 36 debates da programação nacional e internacional foram transmitidos, ao vivo, durante a realização do evento e podem ser acessados no canal do YouTube do Fliparacatu mesmo após o término do Festival.
Fliparacatu contra o racismo
Nesta edição, o evento homenageou Conceição Evaristo e o escritor moçambicano Mia Couto. Além dos homenageados e de muito outros autores, estiveram em Paracatu autoras e autores como Itamar Vieira Junior, Eliana Alves Cruz, Jeferson Tenório, Márcia Kambeba, Tom Farias, Sérgio Abranches, Trudruá Dorico, Jamil Chade, Juliana Monteiro, Lívia Sant’Anna Vaz, Míriam Leitão e o angolano José-Manuel Diogo.
“A recepção do povo paracatuense foi muito forte e intensa. A relação com as pessoas que a gente encontrava por aí, conversando, abraçando, era muito forte. E acho que teve também o fato de que o conteúdo foi escolhido para abraçar a cidade. Quando a gente falou, insistentemente, em todos os painéis, sobre a questão racial, porque se sabe que esta é uma cidade que tem quilombos, que tem um percentual da população negra muito acima do que o resto do País, o que a gente quer dizer é o seguinte: o Brasil só vai ser grande mesmo quando forem derrubadas as barreiras entre negros e brancos. Teve essa linha condutora na defesa dos direitos humanos, da literatura, da inclusão racial, começando com a exposição “Portinari Negro”. O que nós queremos dizer é: o Fliparacatu tem potencial para continuar e espero que continue. Temos de encontrar juntos uma saída para esse problema que enfrentamos há vários séculos, que é a separação entre brasileiros de pele branca e de pelo escura. Afinal, somos todos brasileiros”, disse Míriam Leitão, jornalista e autora convidada do Fliparacatu.
Estrutura e equipe
Cerca de 100 pessoas atuaram nos bastidores do evento, direta ou indiretamente, incluindo equipes de montagem da estrutura, de web e imprensa, de audiovisual, de segurança, carregamento e limpeza, produção e livraria. No total, o Festival ocupou 640 metros, sendo 260 destes destinados à livraria, o coração de todo festival literário. O espaço contou com mais de 16 mil exemplares de mais de 5 mil títulos literários, que englobam os mais diversos gêneros – romance, aventura, poesia, terror, crônica, biografia, infantil e infantojuvenil. O Fliparacatu também compreendeu um palco para performances musicais e mais oito ambientes para debates, palestras, apresentações, sessões de autógrafos e lançamentos de livros. Para isso, foram destinados mais de 230 metros de impressão digital e 3.500 metros de revestimento no total.
Para dar forma à estrutura do Festival, duas carretas foram necessárias para transportar 53 toneladas de equipamentos. A equipe de construção, que contou com mais de quinze pessoas, se dedicou, por 18 dias, aos processos de montagem, operação e desmontagem. Tudo isso resulta em cerca de 2.160 horas trabalhadas.
Confira abaixo a relação dos livros mais vendidos do Festival:
Mia Couto – “As pequenas doenças da eternidade”
Conceição Evaristo – “Canção para ninar menino grande”
Itamar Vieira Junior – “Torto arado”
Itamar Vieira Junior – “Salvar o fogo”
Pedro Pacífico – “Trinta segundos sem pensar no medo”
Conceição Evaristo – “Olhos d’água”
Jamil Chade e Juliana Monteiro – “Ao Brasil, com amor”
Míriam Leitão – “Amazônia na encruzilhada”
Conceição Evaristo – “Ponciá Vicêncio”
Conceição Evaristo – “Insubmissas lágrimas de mulheres”
Lívia Sant’Anna Vaz e Chiara Ramos – “A justiça é uma mulher negra”
Jeferson Tenório – “O avesso da pele”
Jeferson Tenório – “Estela sem Deus”
Calila das Mercês – “Planta oração”
Renato Noguera – “Por que amamos”
Tom Farias – “Toda fúria”
Matheus Leitão – “Em nome dos pais”
Eliana Alves Cruz – “Solitária”
Os 10 Autores mais vendidos no Fliparacatu 2023:
Conceição Evaristo
Mia Couto
Itamar Vieira Júnior
Pedro Pacífico
Jamil Chade
Miriam Leitão
Lívia Sant’Anna Vaz
Jeferson Tenório
Calila das Mercês
Renato Noguera
Tom Farias
Eliana Alves Cruz