Por Márcia Maria Cruz

A noite que encerrou o 2.º Festival Literário Internacional de Paracatu – Fliparacatu – homenageou o filósofo, ativista e imortal Ailton Krenak, em uma cerimônia com o Auditório Afonso Arinos lotado no Centro Histórico da cidade, no sábado (31/8).

O jornalista Jamil Chade iniciou lendo uma carta que escreveu para Krenak, dizendo o quanto o homenageado fortalece a democracia do conhecimento, conceito que “vai muito além da democracia liberal”. É o reconhecimento de múltiplas epistemologias na construção do conhecimento sem que haja hierarquização entre eles. Jamil destacou a eleição de Ailton para Academia Brasileira de Letras e o agradeceu por ser a fresta que ilumina o obscurantismo no Brasil.

“Ao ser você escolhido para a Academia não foi você que ganhou a imortalidade. Isso você já tinha obtido ao espalhar sua visão de mundo e sabedoria. São eles que ganham legitimidade ao aceitar o pensamento indígena como parte de um Brasil plural”, leu Jamil.

Tom falou da emoção de ter testemunhado a posse do imortal. “A posse de Krenak, além de quebrar paradigmas discurso, da presença dele, quebrou o paradigma da imposição, de fazer o que ele quer e não o que a academia queria.”

Ailton agradeceu os curadores do Fliparacatu, em especial a Afonso Borges. “Alguns de nós carregam o fogo”, disse em referência ao papel do amigo na idealização e realização de festivais literários. “Afonso, você me comoveu com sua decisão unilateral de me homenagear”, brincou.

José Miguel Wisnik foi citado por Krenak por uma pergunta que o compositor fez ao filósofo: de que maneira ele consegue abordar temas tão pesados, como o fim do mundo, com tanta simpatia? “Se você fosse convidado para uma dança cósmica, sairia cabisbaixo ou iria dançar?”, respondeu Ailton em forma de reflexão. E o próprio homenageado deu pistas do que imprime em sua obra: “temos que ter poesia em nossa experiência de luta”.

A expressão dança cósmica aparece diversas vezes na obra de Krenak. “Que coreografia é essa? É exatamente o que estamos experimentando aqui, uma espécie de suspensão. Se você for, isso acontece. Se ficar com medo, terá que esperar outra encarnação.”

Ao responder a Tom Farias, que questionou se o homenageado se sentia melhor mortal ou imortal, em referência ao título que os acadêmicos da literatura recebem, Ailton afastou a ideia de uma representatividade a serviço de um discurso mercadológico da diversidade.

“Essa brincadeira sobre Academia, sobre todo esse estatuto que elege alguns de nós para uma excelência de reconhecimento, numa sociedade tão complexa e contraditória quanto a nossa, pode ser uma maneira de eleger aquilo… tem uma palavra que aprendi recentemente, a tokenização. São os tokens. Você busca no mundo de dalits, de intocáveis, você pega um e transforma em sucesso. As corporações gostam de chamar isso de case, eu não sou um case da Academia.”

Aílton ressaltou o papel da ABL na promoção e difusão da língua portuguesa no Brasil, com dimensões extensas, e no mundo. Mas lembrou que, no país continental, se fala mesmo é o “brasileiro”.

É uma beleza inventar línguas, mas será mesmo que as línguas foram inventadas pelos humanos? “Quem inventou a língua. A gente inventou a língua ou a língua inventou a gente?” E trouxe mais uma camada a essa discussão: “A onça também fala”. E completou: “outros organismos são inteligentes. Os colegas cientistas de Sérgio [Abranches] têm dito que todo organismo vivo tem ciência”.

Na defesa de uma cultura antropocêntrica, os seres humanos não se misturam às árvores, aos papagaios, às araras e aos jacarés. Apesar dessa autoaclamação, é a humanidade que está destruindo a vida no planeta. Krenak criticou a visão equivocada que atribui aos seres humanos superioridade em relação a outros seres.

“Se uma criança pergunta para um adulto por que você matou aquela formiga, essa criança já está mais desperta do que um de nós quando perguntamos por que Israel está bombardeando a Palestina? Uma criança entendeu que não podemos matar uma formiga. Os humanos ainda não entenderam que não podemos aniquilar a Palestina. Palestina Livre”, disse recebendo o aplauso da plateia.

Ailton também celebrou a participação das escritoras Trudruá Dorrico e Geni Nuñez no Fliparacatu. Ailton defendeu que é necessário criar uma visão coletiva de defesa da vida. E respondeu a Jamil: “que essas frestas sejam a passagem de um raio luminoso que nos afete a ponto de querer mudar o que é preciso no mundo e ter calma e paciência para suportar aquilo que não dá para gente mudar já. Podemos convocar um sentimento coletivo que mude as coisas, de que mude no sentido da vida”.

Ao fim, Ailton recebeu mais uma homenagem, um cordel que foi feito pelo cordelista Jonas Samaúma, curador da exposição “Vidas em Cordel”, do Museu da Pessoa.

Serviço:

2.º Festival Literário Internacional de Paracatu – Fliparacatu
De 28 de agosto a 1.º de setembro, quarta-feira a domingo
Local: programação presencial no Centro Histórico de Paracatu e programação digital no YouTube, Instagram e Facebook – @‌fliparacatu
Entrada gratuita

Informações para a imprensa:

imprensa@fliparacatu.com.br