Mia Couto em sessão de autógrafos no Fliparacatu (Foto: Ranch Films)

Paracatu (MG) – O escritor moçambicano Mia Couto afirmou neste sábado (26/8) que é preciso ler as letras, mas também as pessoas à nossa volta. Couto deu uma entrevista à coluna durante o Festival Literário Internacional de Paracatu (Fliparacatu), onde foi homenageado ao lado da autora mineira Conceição Evaristo.

Aos 68 anos, Couto lançou recentemente no Brasil o livro de contos “As pequenas doenças da eternidade”, em que ilustra o impacto brutal da pandemia na vida humana. O escritor já venceu o Prêmio Camões, o mais importante da língua portuguesa.

“É preciso ler os outros e estar atento ao olhar dos outros, ao sotaque do corpo. E no nosso tempo não estamos atentos a isso. Neste caso, não estamos atentos a nós mesmos”, disse Mia Couto.

O Fliparacatu vai até este domingo (27/8), no Centro Histórico de Paracatu, com ingressos gratuitos e transmissão pelo YouTube. O evento é patrocinado pela Kinross por meio da Lei Rouanet do Ministério da Cultura.

Eis os principais trechos da entrevista:

Em “As pequenas doenças da eternidade”, o senhor fala da tristeza dos tempos atuais. Como estamos depois da pandemia?

A pandemia foi uma crise terrível, mas acho que a gente coloca nas costas da pandemia aquilo que já havia antes. Quero dizer, nós já estávamos numa crise de civilização, dessa ideia do progresso e desenvolvimento que a gente criou. Para mim foi só um sinal. Há outros que estão aí: crises ambientais, crises de violência, guerras. A gente está tendo uma percepção de que alguma coisa mais profunda está acontecendo e, o mais grave, não estamos entendendo. As pessoas não são feitas para entender o próprio pensamento. Meu receio é que essa visão de dar o rosto da pandemia à crise é grave porque deixa de fora aquilo que é mais profundo, a nossa percepção do mundo, o nosso modo de pensar. A literatura também não traz a solução, mas pode trazer perguntas que inquietam mas ao mesmo tempo nos tranquilizam. Já temos inquietações demais. Há uma visão de que podemos estar à beira do abismo, perto do fim, e isso não é um sentimento bom. É um sentimento de derrota, que não convida a uma intervenção tranquila.

Que aspectos da língua portuguesa te chamam a atenção? É uma língua com muitas flexões.

Você tem razão. Não é que a língua portuguesa seja naturalmente rica. Ela foi foi enriquecida por atravessar mundos, por ser apropriada por gente de diferentes culturas. Apropriada da maneira mais profunda, por gente que trouxe à língua portuguesa sentimentos e modos de ver que dão a melhor conta da diversidade que existe em nossa espécie humana. Tenho muito orgulho de nascer nesta casa.

Para quais escritores de Moçambique devemos olhar?

É importante conhecer a nova geração da literatura moçambicana. Alguns nomes: Paulina Chiziane, Ungulani Ba Ka Khosa, João Paulo Borges Coelho e Eduardo White. Provavelmente eles já foram editados no Brasil e podem ser encontrados por aqui.

O que diz para quem diz não gostar de ler?

A pessoa, sem saber, está lendo: lendo o celular, o mundo, o rosto das pessoas. É preciso ler os outros e estar atento ao olhar dos outros, ao sotaque do corpo. E no nosso tempo não estamos atentos a isso. Neste caso, não estamos atentos a nós mesmos. Se deixar de ler todo esse mundo e ainda por cima não ler o livro, acho que essa pessoa só pode ficar deprimida e autocentrada.

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