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“Há 120 anos, ele estava aqui, nesta cidade. E, talvez, já sonhasse com um acontecimento como este”, discursou Afonso Borges, um dos organizadores e curadores do Festival Literário Internacional de Paracatu, o Fliparacatu, fazendo menção à memória de Afonso Arinos, patrono do evento que, até domingo (27), leva uma série de atividades gratuitas e com foco na literatura para a cidade da Região Noroeste de Minas Gerais.

Nascido em 1.º de maio de 1868, em Paracatu, Afonso Arinos foi escritor, jornalista e jurista, além de ser um imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL), instituição que passou a integrar em 1901, onde ocupou a cadeira de número 40, que pertenceu anteriormente a Eduardo Prado. Considerado um dos precursores da literatura regionalista no Brasil, ele retratou em suas obras a vida e a cultura do sertão mineiro, com destaque para a obra “Pelo sertão”, publicada em 1898. Afonso Arinos faleceu em Barcelona, Espanha, em 1916, durante uma viagem à Europa.

O escritor é tio de uma figura histórica homônima a ele: Afonso Arinos de Melo Franco, seu sobrinho, foi um jurista, professor, político, historiador, crítico, ensaísta e memorialista brasileiro, nascido em Belo Horizonte, em 1905 e falecido no Rio de Janeiro, em 1990, sendo o autor da Lei contra a discriminação racial, de 1951. A exemplo do parente de quem herdou o nome, ele ocupou a cadeira 25 da ABL.

Em entrevista a O TEMPO, Afonso Borges falou sobre o legado do escritor. “Para mim, trazer esse evento para Paracatu foi uma espécie de milagre. Os milagres às vezes acontecem, né? Eu sempre admirei, sempre ouvi falar de Paracatu, mas nunca tinha aprofundado na história de Paracatu e da sua importância não só na literatura, com a presença de Afonso Arinos, né? Não Afonso Arinos de Melo Franco, mas o tio dele que nasceu aqui no século retrasado, foi membro da ABL e escreveu ‘Pelo sertão’, que é um livro de contos que pode até dizer que foi precursor da literatura rural brasileira”, comentou.

O produtor cultural também detalhou como essa pesquisa inicial foi se desdobrar no Fliparacatu. “Isso foi se costurando com a própria Lei Rouanet, a Lei Rouanet do Ministério da Cultura (do Governo Federal), que me fez chegar aqui, apresentar proposta para (mineradora) Kinross, que é a patrocinadora, com as bênçãos do prefeito Igor (Pereira dos Santos), que tem uma curiosidade muito engraçada: ele é muito novo, foi eleito (em 2020) com 23 anos. Lá pelos seus 16 ou 17, ele pegou um ônibus e foi ao Belo Horizonte assistir ‘Sempre um Papo’, o outro projeto que eu faço (também dedicado ao universo literário). Na ocasião, eu recebia, no Palácio das Artes, a escritora Adélia Prado (natural de Divinópolis). Então, ele é uma pessoa que já está contaminada positivamente pela literatura”, cita.

Por fim, na conversa com a reportagem, Borges celebrou que o Centro Histórico da cidade já estivesse movimentado desde a primeira noite do evento, iniciado na quarta-feira (23). O stand da livraria, considerado o coração do Fliparacatu, por exemplo, já se tornou um espaço disputado. “Toda essa recepção faz parte dos mistérios, né? Porque, como todo evento que você faz a primeira vez, você não pode fazer nenhuma previsão exata, mas tem a intuição. E a intuição nossa foi começar com o Candido Portinari (1903-1962). Iniciamos a exposição ‘Portinari Negro’, que está lá na Praça da Matriz da cidade com João Candido Portinari (filho do artista) fazendo a seleção das telas de Portinari. Então a cidade já entrou de uma certa forma no ritmo do Festival”, refletiu.

“E qual que é o segredo? O segredo é a contemporaneidade. É fazer essa mistura de história, arte, literatura e no caso de Paracatu ancestralidade porque é uma cidade com cerca de 80% da sua população formada por negros, né? Então fiz essa costura trazendo para cá Conceição Evaristo, que passou 2.300 km de Maricá (RJ) até aqui de carro, trazendo Mia Couto, que vem da África para cá, para serem os dois autores homenageados”, destaca o organizador e curador do evento. “Essa trinca de Afonso Arinos, com a qualidade que esse escritor tem, Mia Couto e Conceição puxaram todo o resto da programação, que conta ainda com Kalila das Mercês, Jeferson Tenório, Itamar Vieira Junior, o próprio Tom Farias, que, com Sérgio Abranches, é um dos curadores do Festival. Então, a partir desse conjunto de assuntos, a gente faz uma bela de uma misturada e dá um ótimo caldo”, conclui.

*O repórter viajou a convite da Kinross, patrocinadora do Fliparacatu por meio da Lei Rouanet do Ministério da Cultura.

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