Arte de Giovani Urio sobre fotografia de Ranch Films

Para elaborar a beleza e a força do que vivi na FLIParacatu, precisei de muito tempo, um poema e este texto. Afonso Borges, Tom Farias e Sérgio Abranches organizaram um festival literário de intensas trocas culturais. O tema: Arte, literatura e ancestralidade, na cidade histórica de Paracatu, noroeste de Minas. Reuniram nomes de destaque no cenário literário e cultural. Por palco, a Igreja Nossa Senhora do Rosário.

Um festival literário é mais do que proporcionar o encontro entre livros e leitores – encontro importante para que os textos circulem e ganhem vida – mas um festival literário, ainda que também conte com a comercialização de livros tem acento em outro lugar.

Ao promover a proximidade entre escritores, escolas e a população da cidade em geral, a FLIParacatu foi em si uma intervenção artística, e também por proporcionar dias de convivência estreita entre escritores de tradições, origens e concepções artísticas diversas.

Autores bastante conhecidos estavam lá, a começar pelos homenageados Conceição Evaristo e Mia Couto. Mas muitos outros escritores e escritoras com obras de grande visibilidade como Eliana Alvez Cruz, Itamar Vieira Junior, Jeferson Tenório, Jamil Chade, Luiza Romão, Paloma Jorge Amado e tantos mais. Cada mesa era uma generosa transmissão de conhecimento, como a aula que Conceição Evaristo deu sobre escrevivência, a fala de Lívia Sant’Anna Vaz que me apresentou a Carta Mandinga, a literatura indígena de Trudruá Dorrico e Márcia Kambeba, as visões da Amazônia nas palavras de Miriam Leitão e Eduardo Góes Neves. Tudo registrado no YouTube do evento.

As experiências com o sensível estavam por toda parte, desde a celebração da arte de Cândido Portinari até a visita ao Quilombo de São Domigos, onde Valdete transmite a história do município emprestando a voz para dar vida às memórias de seu pai, Aureliano Lopes, importante figura cultural da região. Ancestralidade e arte percorrem ruas e a história de Paracatu, como as Caretada e a Tapuiada, essa última, tradição quase extinta, tem a bela história de ter se originado a partir de disputa por território entre negros e indígenas que se transformou numa dança. Se todas as disputas se transformassem em dança…

FLIParacatu foi, sem dúvidas, importante para a região, para a população e para nós escritores que lá estivemos. Os debates literários extrapolavam as mesas programadas e continuavam nas ruas, nos restaurantes, no café da manhã. Debate de ideias, transmissão de experiência, visões de Brasis, construção de utopias.

Essa vivência múltipla, diversa e horizontal, não deixa de ser a tentativa de imaginar novas formas democráticas, neste caso, mediadas pela arte. Que encontros como esse se repitam, e se espalhem pelo país, e que Festa seja método.

Não foi fácil deixar Paracatu. Paracatu é a geografia que abrigou a Utopia FLIParacatu, e utopias acompanham a gente por muito tempo.

Taiasmin Ohnmacht é escritora e psicanalista. Além de participar em diversas antologias, publicou os livros Ela Conta Ele Canta (Cidadela, 2016), em co-autoria com o poeta Carlos Alberto Soares; Visite o Decorado (Figura de Linguagem, 2019) e o romance Vozes de Retratos Íntimos (Taverna, 2021), vencedor como melhor Narrativa Longa dos prêmios AGES e Açorianos de Literatura. Ele também foi finalista nos prêmios Jabuti, São Paulo de Literatura e Academia Rio-grandense de Letras.

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